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A porta. Ali estava ela.
Mais uma vez aguçando minha curiosidade e atiçando meus medos.
Talhada em cedro, sua maçaneta de ouro lembra-me os raios da sol no amanhecer.
Sua imponência me atrai e assusta.
Pela fechadura muitas vezes busquei ver o outro lado.
No início escuridão total.Gradativamente luzes começaram a passar diante de meus olhos convidando-me à uma festa.
Quantas vezes a tentação de abri-la crescia em mim, porem o medo do desconhecido era bem maior que o desejo.
Estava feliz com o cuidado que dedicava aos outros cômodos da minha morada. Acomodada poderia dizer. Azeitava dobradiças tornando-as macias o suficiente para que portas e janelas pudessem ir e vir sem emitirem os rangidos de outrora. Esfregava os vidros tornando-os transluscentes. Limpava os móveis remodelando-os de vez em quando com o que tinha a mão. Pintava paredes para imaginar que eram outras.
Muitos eram os movimentos feitos que me mantinham ocupada na tarefa de renovar a cada dia o cotidiano.
A morada estava cada vez mais limpa. Bonita, arrisco dizer.
Mas lá no porão existia a porta desafiante.
Ali estava ela diante de mim mais uma vez.
Peguei o molho de chaves com uma leve esperança de não ver aquela apesar de querer muito que estivesse ali.
Quase não a vi mas, emitindo seus raios solares, ela me cegou, fazendo-me enxergá-la.
Agora era eu e a chave.
Não sem antes sentir a temerária vontade de, mais uma vez, olhar pela fechadura.
Olho no olho. Eu e as cores. A festa.
Sim.
O que vi foi uma luz de brilho tão intenso que mais parecia a Sol espelhada no Lua (*). Perdi os sentidos.
O tempo passou e, no voltar da consciência o desejo reascendeu. Desta vez com tanto vigor que me vez levantar subitamente, pegar a chave e destrancar a porta.
Pronto.
Nada mais me impedia de abri-la. Apenas eu.
Era preciso sentir meus braços, mãos, pernas, pés e tronco. O meu tronco onde pulsava o meu coração. Meu crânio de onde sabia que vinham os comandos. Um pedido de ajuda. Um apenas? Não. Vários.
HELP!
Fui atendida por meus reflexos espelhados em mim.
Avancei e, reunindo todas os auxílios recebidos, empurrei a porta e mergulhei no espaço. Um vazio iluminado onde o som preenchia o vácuo. Nada existia. TUDO era sentido e fazia sentido.
Como podia eu ter, na minha morada, tal espaço? Porque jamais tinha tido coragem suficiente para adentrá-lo? O que importava agora tais questionamentos?
O fato é que eu estava ali. Diante de um lugar que me pertencia.
Passo pelo portal. Deixo-me envolver por algo que jamais conheci. Uma parte estranha do meu habitat.
Olho para trás.
Fico feliz por saber que todos os outros espaços estão limpos e arejados. Posso passear por eles sem medo de me sentir trancada novamente. Lubrifiquei muito bem todas as dobradiças e fechaduras. As chaves são o meu poder.
Mas, neste momento, a única proposta que me atrai é entregar-me a este novo lugar encontrado.
Minha porta de cedro e sua maçaneta dourada onde vive o universo.
Finalmente vejo-me bela.
Moema Ameom
Itaipuaçu, 29-9-09
(*) Sol é uma estrela e, no meu ponto de vista, a doadora da vida, portanto, se fosse humana seria do sexo feminino. Lua é um satélite onde a Sol se espelha. Absorve a energia devolvendo-a ao Planeta de forma objetivada. Fosse humano, seria do sexo masculino. Enquanto personagens da minha fantasia denomino-os Lós e Aul.
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