Em janeiro de 2009, eu, ReNata Batista, estive em Ilhota para trabalhar como voluntária no processo de reconstrução após as enchentes que assolaram a cidade e tantas outras no estado de Santa Catarina.
Fui como representante de Moitakuá, ajudar nos processos emocionais que uma tragédia sempre provoca. Aliás, a vida no seu curso natural sempre os provoca. Estamos aqui para viver processos emocionais!
Quando eu cheguei o pior já tinha passado. Não havi mais chuvas fortes, nem resgates, nem buscas. Mas havia pessoas. Gente abalada, entristecida. E o trabalho era: ajudá-los a se reerguer, sobretudo dar-lhes suporte emocional para o recomeço.
Sempre vi que momentos como este são oportunidades de crescimento e recomeço. Reonctrução e conscientização.
Como profissional de Moitakuá, é o que fui fazer lá. Só que ainda não sabia como.
Para se ter uma idéia do que estamos falando, fotografei o Braço do Baú, uma das regiões mais atingidas (a pior de todas é o alto do Morro do Baú). Veja algumas das imagens:
No meu primeiro dia trabalhei com a Visão Mundial, uma ONG ligada às Igrejas Evangélicas que está mobilizando voluntários destas, sobretudo do Estado de São Paulo. Fui com um grupo grande para um abrigo que fica no bairro Ilhotinha. Nossa missão: cada um faria aquilo que achasse necessário. Eu fui conversar com as pessoas. Ouvir muito e falar pouco. Fiz um comentário sobre a retirada das árvores que enfraquece a terra, ouvi um comentário sobre a ganância do ser humano, e tal... Depois ajudei a tirar água da varanda, porque estava chovendo sem parar. Depois brinquei com as crianças. Depois, faminta, almocei.
Na saída, ouvi uma evangelizadora me dar uma dica: que eu não falasse das causas humanas da tragédia. Por mais que a gente saiba que elas existem, não era conveniente para o momento. Ok, eu respondi.
No meu alojamento, vi muitas garrafas pet se amontoando e pensei: Meu Deus, quanto material reaproveitável indo pro lixo, pra poluir e ocupar espaço nos aterros sanitários! Não, isso não pode ficar assim!
Fui conversar com o pessoal da Visão, já que eles estão mobilizando voluntários, pra ver se pelo menos nos alojamentos nós conseguiríamos fazer a coleta seletiva. De lá, acabei indo parar na Secretaria de Educação. Criei e apresentei o projeto Arte do Movimento Sustentável - programa de Conscientização Ambental e Humana, consistindo em:
> Incentivar a Coleta Seletiva
> Realizar Oficinas de Artesanato com materiais recicláveis
Escrevi um material educativo sobre reciclagem semelhante ao que foi publicado nO INFORMAL 12 e distribuí para os coordenadores dos abrigos a fim de que a coleta seletiva fosse feita lá também.
Falei com catadores de recicláveis, cativei o Frei da cidade para conclamar os fiéis da Paróquia Pio X a separarem seus lixos. Com a ajuda da Doris, vinda de Sorocaba, iniciou-se a realização de Oficinas de Artesanato com reaproveitamento de materiais, e a Dona Rita passou a ensinar cestaria com jornais e a Maria Idalina, um trabalho com retalhos.
A proposta nunca foi atingir um número imenso de pessoas de início, mas abrir um canal diferente de possibilidade criativa e criadora. Apontar um caminho no meio do caos. O que viesse para o futuro, seria lucro.
Mas como é difícil investir no presente! O pensamento geral é: futuro. Vamos gerar renda, emprego, e tal........ Meu maior trabalho foi o interno, o de pensar pequeno.
Maktub!
Bem, fui caminhando... Sou Moitakuense, sou Pa(z)ciente!
Paralelamente, fui, tal e qual uma formiga, colocando gota a gota a conscientização sobre o valor da reciclagem e a necessidade da Coleta Seletiva. Articular os catadores de lixo foi uma missão árdua, inclusive porque o reconhecimento geral da importância deles não existe. A idéia que se faz é de que eles são porcos que têm que catar o lixo como ele estiver, e se estiver misturado com comida, que separem. Dizem que é muita folga o sujeito querer encontrar as garrafas pet e os copinhos separados dos restinhos de comida, uma vez que é o trabalho deles!
Essas e outras micro-missões, eu fui encarando. Fazer e refazer cartazes pra convencer de que separar é fundamental para a roda girar.
É um caminho árduo, que só me convenceu mais e mais de que as grandes revoluções se fazem com pequeninos atos e atitudes.
Um dia, eu estava lavando os galões de lixo onde eu arduamente trabalhava para que os materiais fossem descartados seletivamente. Pedi a uns voluntários paulistas:
- Algum de vocês pode me ajudar numa missão sanitária ecológica?
Os olhares foram de esquiva.
- Mas nós estamos aguardando para ir para uma missão sanitária ecológica...
OK! Fui pegar baldes enormes cheios de água para levar pra área externa e lavar os galões... e eles ficaram olhando, provavelmente porque o trabalho de esperar não podia parar! Depois fiquei pensando: eu posso ter sido grossa com eles, afinal de contas estava passando mal, portanto não estava pra gracinhas e simpatias. Talvez eu tenha expulsado meus prováveis ajudantes... Que fique a lição - não para eu ser simpática quando não quero, mas para observar-me internamente antes de me comunicar com alguém.
*
Foi muito trabalho porque foi um trabalho interno, quântico - como são todas as construções sólidas.
Tomei muito cuidado para que não ficasse nada para trás. Coisas simples, como arrumar a cama e limar o chão, colocar no lugar o que tirei, devolver no lugar de origem cada coisa retirada.
Ou seja, o propósito no ual investi foi: plantar uma semente legítima na cidade. Uma vez que não ficaria lá pra sempre, fazia parta da minha missão disseminar idéias que, espero, germinem um dia – assim como espero que não demore... mas isso não depende de mim. O que eu podia, fiz.
Quisera eu ter feito mais. Mas fiz o que pude. E, sendo verdadeira a semente plantada, sei que vale muito mais do que uma grande árvore que não tem verdade e fica sem raiz. Agora, tudo só depende da fertilidade da terra...
Que assim seja!
*
Minha missão durou 2 semanas (de 1º a 16 de janeiro), que pareceram meses, tamanho o trabalho. Até as pessoas que estavam lá sentiram isso.
Hoje é 22/jan e estou na casa de meus pais, a 1 hora de Ilhota. Amanhã retornarei para as derradeiras ações. Encerramento desta etapa. Haverá outras, revisitarei Ilhota ainda. Mas isso, sabe-se lá quando será...